por Marcos Soares
Amigos, há muitos anos comprei um CD do Don Francisco (Come Away), em cuja capa ele mencionava o fato de que o deserto foi muito importante na vida de grandes homens de Deus. Abraão, Jacó, Moisés, Davi, Elias, João Batista, Elias, Felipe são alguns exemplos. Desde então venho meditando nessa verdade. Já percebeu como esses cidadãos foram afetados por esses momentos de aridez, solidão, reflexões profundas e muito sol na jaca?
O deserto é pedagógico. Não foi à toa que Deus levou essa galera acima da média para uma temporada de areia e calor. O importante não é ver porque nem como eles entraram, mas como foi que eles saíram dele. Veja o caso de Moisés. Aos quarenta anos, ele achou que estava pronto para a vida, que sabia tudo e que podia tornar-se um grande libertador. Tinha noção exata da sua origem, era forte como um touro, bem treinado na arte da guerra, influente e justo. Mata o egípcio, porque oprimia a um do seu povo e esconde-o na areia. Quando a coisa aperta, ele foge. Para onde? Para o deserto de Midiã. Ali, além de arrumar um casamento, arrumou também um emprego cruel (comparado à vida de príncipe candidato ao trono da maior potência mundial de seus dias, o fabuloso Egito): cuidar de ovelhas no escaldante solzinho do deserto. O grande pregador D.L.Moody dizia que Moisés passou quarenta anos achando que ele era alguém; depois passou outros quarenta anos aprendendo que ele não era ninguém; finalmente viveu quarenta anos vendo o que Deus é capaz de fazer com um ´ninguém´. Sempre achei isso fantástico.
O deserto “baixa a nossa bola”. Quando o encontramos aos oitenta anos, não conseguimos mais ver os traços da prepotência anteriormente registrada. Quarenta anos afastado do brilho dos holofotes e das festas do palácio tinham tornado Moisés um homem que tinha dificuldade até para se comunicar. Há quem afirme que o “ser pesado de língua” signifique nada menos do que gagueira. O homem tinha perdido a capacidade de falar normalmente. Imaginem o príncipe outrora engomado agora com a pele grossa, turbante na cabeça e gago. Nada no meio das riquezas e glamour do Egito poderia ter feito com que ele baixasse a bola. O deserto conseguiu. Levou quarenta anos, mas conseguiu.
O deserto ajusta nossa perspectiva do tempo. Afinal, acredite, quarenta anos no deserto demoram muito, mas muito mais do que quarenta anos no palácio! São os mesmos anos de 365 dias, mas a sensação térmica torna cada dia muito mais longo. Quanto valem quarenta anos num deserto? Deve chegar uma hora em que o tempo não passa mais. Tudo vira uma coisa só. Todo dia é o mesmo sol, a mesma sede, a mesma solidão, o mesmo tudo. São tempos em que esperar pelo amanhã chega a ser difícil. Dias melhores não são esperados. Apenas dias iguais. E assim, vivendo um dia depois do outro, assando os miolos sob o sol de zênite, tudo fica tão parecido que quando uma sarça começa a arder sem se queimar, não tem como não ser notada. Se estivesse no palácio, Moisés poderia ter pensado que era só uns fogos de artifício da próxima festa de Faraó. No deserto, onde impera a monotonia de dias arrastados, vira um acontecimento único e espetacular.
O deserto pode ser um santuário. Quando Moisés se aproxima da sarça, Deus manda que ele tire as surradas sandálias de pastor de ovelhas e explica: “este lugar agora é terra santa”. Mas há alguns instantes não era. Era apenas um lugar onde ovelhas pastavam. Quando Deus se manifesta, a aridez do deserto vira um templo de glória, onde se tem que pisar com respeito e reverência. E pode ter certeza: se quando estamos nos palácios da vida não damos muita importância para isso, depois de quarenta anos no deserto, a gente se prostra com o rosto em terra e fica com medo até de levantar a cabeça, porque a experiência é indescritível, inesquecível e incomparável.
Posso confessar? Gostaria de dizer que desertos são desafiadores e atraentes. Gostaria de prometer que não há nada mais gostoso na vida do que viver anos a fio debaixo do sol implacável, longe da água fresca e do conforto, com uma umidade relativa do ar abaixo dos 20%. Gostaria de garantir que as noites, pelo menos, são curtas e amenas. Mas aí vem um frio desgraçado. Tem bicho perigoso, serpente, escorpião e feras. Desertos são terríveis e desesperadores. Desertos são o pior lugar do mundo para se viver. Ninguém tira férias no deserto, a não ser que consiga levar uma estrutura móvel que lhe permita enfrentar as adversas circunstâncias. Nossos amigos não nos visitam, nem telefonam nem mandam e-mail para lá. A coisa é tão complicada que a gente não fica sabendo de nada, nem quando nossos inimigos mortais morrem primeiro que nós, como foi o caso do Faraó que já não podia mais perseguir Moisés, porque já estava no sarcófago.
A questão é que do palácio saem bad-boys e do deserto saem grandes homens de Deus. Do palácio saem sucessores de Faraó e do deserto saem servos que podem conduzir o povo de Deus a grandes conquistas. Do palácio sai gente fazendo justiça com as próprias mãos e do deserto sai um homem com as tábuas da perfeita lei de Deus. O negócio, então, é pedir graça e misericórdia para que a gente consiga suportar o deserto da vida sem murmurar, sem desistir, sem xingar e sem escapar pelos fundos.
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